quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

IN)VERDADES

Reflexões de Shirley Carvalhêdo

Em uma recente conversa entre amigos num botequim, no meu caso regada a guaraná, surgiu o assunto "Bíblia"; (n)a Verdade, sobre qual era o livro predileto da Bíblia de cada um dos ali presentes. Um amigo que, embora consciente e conhecedor profundo do sagrado e mesmo assim prefere o profano, respondeu que seu livro predileto é Lucas. Isto me chamou atenção: Por que logo Lucas, dentre tantos outros livros interessantes?

A partir desta conversa e autoindagação, passei a (re)ler o livro de Lucas e pela luz do E.S. descobri nele alguns aspectos bem interessantes. Um destes aspectos é a essência do golpe fatal de Satanás que consiste em iniciar as suas frases citando a Verdade com a inserção de pequenas mentiras, transformando-as em (In)verdades. Apresenta aos indivíduos esta fórmula “poderosa e atraente” com o objetivo de destruir almas, e isso faz desde a criação. Em Gênesis, capítulo 2, nos versículos 16 a 17, temos explícita a ordem dada por Deus sobre o comer o fruto do bem e do mal.

[...] Você pode comer as frutas de qualquer árvore do jardim, menos da árvore que dá o conhecimento do bem e do mal. Não coma a fruta dessa árvore; pois, no dia em que você a comer, certamente morrerá. [...] (Grifo Nosso)

No Jardim do Éden, o pensar, o querer, o efetuar em Deus representava a consciência do homem e da mulher. O casal conversava diretamente com Deus. Confiavam em Sua direção e caminhos, primavam pelos Seus ensinamentos e Verdades. Entretanto, o comer do fruto representava um detalhe grandioso, uma verdade inegável, a morte, a separação da consciência entre Deus e Sua criação, o encerramento do diálogo direto e do caminhar confiante nas direções de Deus, no bem. O homem e a mulher seriam diretamente responsáveis por suas escolhas, consequências e prejuízos. Seria a origem da consciência interna do ser humano. A consciência interna representava uma negação da externa, daquela que era fruto da ligação com Deus. O rompimento com a Consciência Divina tornaria os seres humanos enfraquecidos e propensos a caírem constantemente nas artimanhas de Satanás, que estava bem ciente desses efeitos. Então, elaborado o golpe, declarou a Eva, capítulo 3, versículo 1 a 4:

[...] É assim que Deus disse: Não comerei de toda a árvore do jardim? É certamente que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, serei conhecedores do bem e do mal. [...] (Grifo Nosso)

Satanás inicia a sua frase citando o que Deus disse, e, logo depois, insere um pequeno “não”, tornando a Verdade de Deus em uma inverdade, destruindo a advertência e o ensinamento Divino. Igual exemplo apresenta-se em Lucas, capítulo 4, versículos de 9 a 11, em sua tentação a Jesus durante quarenta dias quando Este, por equivalente período, jejuava no deserto.

[...]Depois o diabo o levou a Jerusalém e o colocou na parte mais alta do Templo e disse: - Se é o Filho do Deus, jogue-se daqui, pois as Escrituras Sagradas afirmam: ´Deus mandará que os seus anjos cuidem de você. Eles vão segurá-lo com as suas mãos para que nem mesmo os seus pés sejam feridos nas pedras´.[...](Grifo Nosso)

Perceba que nos versículos anteriores nos quais apresenta duas outras tentações, Satanás as expôs de uma forma direta regadas por condições, iniciadas pela proposição “se”. As condições impostas estavam atreladas às necessidades fisiológicas, no caso a fome, porque Jesus estava em jejum há quarenta dias, e aos anseios miméticos de poder e riqueza, tendo em vista que Jesus, como o filho do Deus Vivo, padecia por conhecer as maravilhas celestiais. Ao ver que suas tentações não surtiram os efeitos desejados, Satanás apelou para o golpe fatal. Citou as Sagradas Escrituras a fim de levar Cristo à queda de seu Espírito.

Outro aspecto relevante do livro de Lucas no capítulo sobre as tentações é a exposição da essência das estratégias e a gradação que Satanás se utiliza em seu diálogo com Jesus. Percebe-se que estas estratégias são as mesmas que ele utiliza em suas ações correntes para nos atrair de forma a camuflar seu verdadeiro intuito, que é o de destruir as nossas vidas e os nossos espíritos. A essência e a gradação são as seguintes: Ele sempre tenta nos atrair pela nossa busca em realizar as nossas necessidades mais preementes, as fisiológicas -, como a fome, o sono, o sexo, o equilíbrio mental, corporal e espiritual. Lembre-se de Eva e a maçã! Depois, Satanás trabalha com os nossos anseios miméticos, do querer o que os outros têm: um carro igual, o poder, as jóias, a casa, os livros, as roupas, o conhecimento, a tecnologia, a estratégia, a beleza, a fama, o corpo, o status. Ele sabe das dificuldades da obtenção ou até mesmo da preservação do ser espiritual e do nosso ter material em qualquer dos tempos pela escolha da via honesta. Ele nos leva à tentação da frustração consequente do pensar que não somos ou não temos, à depressão, a cair e a não se levantar, a se entregar no precipício da mediocridade, da banalidade, da carnalidade e por fim nos abre a porta da opção sem retorno do suicídio, a opção fatal que é a escolha eterna pela inverdade, assim como ele propôs a Jesus.

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