domingo, 13 de junho de 2010

As Descobertas em F.R. Leavis

Por Shirley Carvalhêdo

Por intermédio do meu avô e sua profissão de educador, aprendi a ler as Sagradas Escrituras em uma tenra idade. Mesmo ciente das minhas limitações de leitora iniciante, pedia-me que lesse para ele os Salmos e elogia-me com vigor. Sua didática, paciência e interesse despertavam em mim o gosto de ler e aprender. Mais tarde, ao estudar Gênesis, percebi o papel da linguagem no processo de criatividade – “Disse Deus:” que usou Sua voz, dicção e som para criar, dividir, estabelecer e ordenar. Nesta ordenação, o ser humano foi criado marcado pela excelência divina, “sua imagem e semelhança”, um ser pensante, falante e leitor: “No princípio era o Verbo, e o verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. O Verbo estava no mundo, o mundo foi feito por intermédio dele, mas o mundo não o conheceu” (Sagradas Escrituras, João I:1;10)

Já a leitura de romances foi-me despertada aos nove anos, quando uma tia presenteou-me com a obra: O Pequeno Príncipe. Nesta época, passei a imaginar antes de dormir que na minha cabeça havia uma grande sala vazia, escura, com um grande telão, no qual eu poderia construir uma história e reproduzir. Nesta construção, misturava elementos captados das histórias lidas com o que vivi durante o dia. Gostava também de fechar o livro e pensar que os personagens estáticos passariam a se mexer, que lá havia um mundo que se movia, que tinha sons, que era real, e que quando eu abrisse a página onde parei, eles voltariam ao silêncio deixando a minha imaginação ser o regente das suas vidas. Entretanto, à medida que a quantidade e a complexidade das leituras foram me invadindo, fui tomada por dois sentimentos em relação à elas: um desconforto quase constante e um conforto como uma exceção, os quais eu nunca parei para pensar o porquê. Apenas vivia e não analisava.

Este sentimento de desconforto constante era, sobretudo, em relação aos romances brasileiros e poesia em geral. As histórias me eram superficiais, carregadas de insensibilidades, estéreis de significados. Presas excessivamente em uma descrição contextual. Nos vestidos, ruas, móveis, paredes, faces... Quantas páginas de desgosto e mau gosto! Muitas delas eram puladas e o fim representava um alívio. O pior mesmo era a sensação provocada pela leitura de algumas poesias! Um verdadeiro prenúncio do apocalipse sem anestesia! Quanta força! Para quê? Quantos dispositivos de rima para o nada, o vazio! Palavras laxativas! Depois de várias tentativas, desisti das leituras e de tentar um diálogo com os amigos sobre o assunto. A reação deles era como se eu não tivesse entendido uma palavra sequer. Como entender o que não há para ser entendido? Era impressionante como eles conseguiam ler, decodificar e significar o texto no contexto. Uma mágica completa! Eu sempre me perguntava: Como? Onde estaria? Em qual linha eu perdi o fio? Anos depois, por surpresa da vida como oportunidade de trabalho, passei a frequentar a ABL, terra dos “gigantes” etéreos e vivos! Pensava comigo que lá conseguiria encontrar o “x” do desconforto. Doce ilusão! Meus sentimentos permaneceram!

Por outro lado, o raro conforto acontecia por meio de algumas poucas leituras: Escrituras Sagradas, Austen, Orwell, Thoreau, Bradburry, Huxley...

Por muito tempo fui tomada por este constante desconforto e raro conforto até que descobri, por intermédio de uma aula, o crítico literário F. R. Leavis. As descobertas neste autor foram fundamentais para a minha compressão sobre o papel da linguagem na constituição do ser humano e no desenvolvimento de sua mente e o porquê destes meus sentimentos em relação à leitura e poesia, questões sem respostas até o momento.

Leavis mostrou-me a chave na obra: a experiência. Esta é o fator determinante na condição para imersão e sensação de real naquilo que se lê. Um livro despido de experiência é como um corpo sem alma, vazio!

It is only by bringing our experience to bear on it that we can judge the new thing, yet the expectations that we bring, more or less unconsciously(...) The essential is that the words are servants of an inner impulse or principle or order; they are imperiously commanded and controlled from na inner centre. (LEAVIS, 1998, p.123)

Percebi que o conforto que sentia se relacionava àquelas leituras imbuídas de excelência divina, a experiência. Eu me conectava ao autor, à medida que a sua produção fosse uma expressão de sua experiência original. Experiência essa que se fazia mais significante em mim porque talvez eu já tivesse vivido, almejasse viver ou que me remetesse a uma genuína experiência alheia. Aí está um autor sublime, uma leitura sublime, uma obra sublime!

The relevantly words immediatly are ‘continuity' and ‘standards’. Standards relate to criteria, and are always changing. They are changed for subsequent creative writers and for critics by every grater writer; this is true of the vital changes – the changes in which vitality manifests itself. But continuity has meant that the surest insight into human nature, human potentiality and the human situation is that accessible in the great creative writers. They estabilish what human centrality is. They differ in timbre, but they all have genius, and their genius is capacity for experience and for profound and complete sincerity (wich goes in them with self-knowledge). He knows that, in the nature of things, he can´t attain to the completeness that is finality, and that some of his certitudes may be insufficiently grounded. But though words used in ordinary ways are felt as merely words, and can´t give the quality an sich that makes the immediate experience irresistible real, the nearest the perceively thinking individual gets to the certainly that he is grasping in direct possession significance itself, unmediated, is in the certitude that he has taken possession of the basic major perceptions, intuitions and realizations communicated with consummate delicacy to the reader in the mastering of the creativite wor of a great writer (LEAVIS, 1998, p.192).

Não é a forma, os padrões, o jogo de palavras, a quantidade de páginas, o teor das imagens, o final da obra, e sim a EXPERIÊNCIA na letra como expressão do vivido e do vívido.



Bibliografia
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada. Tradução João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Edição Revista e Atualizada, 1993. Sociedade Bíblica do Brasil.

LEAVIS, F.R. The Critic as Anti-Philosopher: essays and papers. Elephant paperback ed. 1998.

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